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Álibi Inválido: como conviver com alguém que tem Transtorno Mental

  • Foto do escritor: Lucas Soares
    Lucas Soares
  • 8 de ago. de 2024
  • 8 min de leitura

Dedo apontando para pessoa triste

Com o sentimento de renovação trazido pelo novo ano, no Janeiro Branco, campanhas voltadas para a Saúde Mental são fomentadas em todo o país e enchem nossos veículos de comunicação. Percebe-se uma predominância na criação de materiais informativos direcionados às pessoas que sofrem de um Transtorno Mental. Eu me chamo Lucas Soares, sou psicólogo clínico com prática voltada para casos de Violência e Luto e há algum tempo, tenho atendido pessoas que não foram diagnosticadas, mas que convivem com alguém que foi. Elas trazem as dificuldades dessa vivência e comecei a ficar intrigado com as semelhanças dos eventos que as preocupam. Com isso, o intuito desse texto é trazer informações a respeito da lida diária com pessoas que têm transtorno mental e a responsabilidade devida a cada um das partes, considerando o viés da ciência Psicológica como métrica para a saúde desses vínculos.


Primeiramente, a necessidade dessa discussão se dá, em especial, pela ampla divulgação de informações sobre transtornos mentais sem comprovação científica através do Tiktok, do Instagram e de outras redes sociais. A não fidedignidade dessas informações tem criado espaços de violência dentro dessas relações, sejam elas românticas, fraternais, laborais ou de qualquer outra instância. Como vamos falar de uma pessoa que sofre com Transtorno Mental e produz violência dentro da sua casa, por exemplo? Essa não será uma discussão fácil, pois estamos acostumados a olhar para o transtorno como algo incapacitante que quase destitui aquela pessoa da sua condição autônoma diante da sua vida e da sociedade. Embora muito já se saiba sobre os transtornos mentais e parte dessa visão já tenha sido desconstruída, ainda há grande déficit na disseminação de conteúdo científico específico e com isso, a vulnerabilidade diante de uma vivência delicada onde nem sempre se tem informações confiáveis. Aqui, daremos espaço ao sofrimento das pessoas que amam alguém que tem um transtorno mental e que podem ter silenciado suas dores e desconfortos por acreditarem não estar no lugar de cuidado neste momento.


Para essa análise, vamos dividir os Transtornos Mentais em duas categorias: Transtorno Mental Padrão (TMP) e Transtorno Mental Grave (TMG). Essas classificações são medidas não-oficiais exclusivas desse texto. No TMG, o paciente tem uma desintegração das suas Funções Psicológicas Superiores (FPS): percepção, memória, atenção, imaginação, pensamento, linguagem, vontade e emoção. São essas FPS que dão origem ao que compreendemos como Consciência. No TMG, o paciente terá momentos ausentes de consciência, pois suas FPS “se quebraram”, desintegraram. No TMP, não há desintegração, mas uma desorganização das FPS, logo, o paciente está consciente de tudo que acontece, porém seu processamento mental fica alterado e nós vamos ver as consequências dessa desorganização mais à frente. Embora essas não sejam classificações oficiais, utilizei o modelo da psicóloga lituano-soviética Bluma Zeigarnik para montar essa padronização, assim, fica ratificado que existe uma divisão de categorias nos transtornos mentais, e aqui, apenas foi trazida um modelo didático para facilitar o entendimento. Neste texto vamos explorar o TMP, mais comuns na sociedade e você, com certeza, conhece alguém que já foi diagnosticado com algum desses: ansiedade, depressão, bipolaridade, boderline, TDAH, TOD, TOC. Um exemplo de TMG seria a esquizofrenia, onde, durante a crise, é provável que o paciente fique completamente desintegrado de suas FPS e nem se lembre dos acontecidos. Depois de traçadas as bases conceituais, vamos à uma discussão mais delicada e polêmica.


Como postulado anteriormente, entende-se que essas pessoas com TMP não perdem consciência das suas ações e portanto, existe um lugar de responsabilidade característico das suas ações que não é muito diferente de alguém que não tem nenhum T.M., logo, que elementos produzidos nessa relação correspondem a uma lógica de Violência? Com grande recorrência, uma mesma história se repete dentro dos relacionamentos desses pacientes que convivem com alguém que tem transtorno: o uso do diagnóstico como ferramenta álibi das ações questionadas pelo parceiro. Em outras palavras, quando essa pessoa com T.M faz algo que pode ser reprovado por esse Outro, ele apresenta o transtorno como uma justificativa para ter agido daquela maneira, buscando absolvição sem responsabilizar-se pelo feito. Deixo um exemplo fictício formulado a partir de alguns casos que atendi:


Um casal onde uma das pessoas foi diagnosticada com bipolaridade (Eduardo) e a outra se compreendia como alguém que não possuía nenhum T.M (Pedro). Certo dia, cheio de raiva, Eduardo chegou a quebrar um copo na casa de Pedro enquanto tinham uma discussão. Quando as coisas se acalmaram um pouco e eles puderam conversar, Eduardo trouxe que Pedro o irritava muito e que por causa da bipolaridade ele tinha perdido o controle. Pedro ficou assustado, mas tentou ser empático com Eduardo e passou a fazer pesquisas sobre bipolaridade e a relevar algumas atitudes do parceiro. Nos anos seguintes, Eduardo foi autor de agressões verbais, psicológicas, físicas e patrimoniais e Pedro chega ao consultório de psicoterapia clínica sentindo fortemente os efeitos dessa violência e tendo dificuldades referentes à ansiedade e ciclo de sono, além de ter sido afastado da sua atividade laboral por apresentar crises que foram explicadas por Estresse no Trabalho (Burnout), contudo, o Pedro não considera que seu emprego tenha sido o principal vetor das suas dificuldades, mas sim, a forma como a relação com Eduardo está se desenrolando”.


Inicialmente, ao observarmos o conteúdo dessa história, podemos angariar informações importantes sobre o processo que vive esse casal. Precisamos humanizar o viés de ação dos dois, sem tirar deles a responsabilidade pelo que fazem. Eduardo está sentindo as afetações em seu comportamento provenientes do adoecimento que tem vivenciado. Porém, de acordo com Zeigarnik, a desorganização das FPS de Eduardo não seria suficiente para que ele perdesse o controle e agisse de forma violenta com Pedro. Quando as FPS estão afetadas, o processamento de algumas informações fica prejudicado, mas o processo de consciência ainda ocorre e, com isso, a análise de uma situação de perigo ou violência ainda está ao alcance desse paciente. Ou seja, neste caso, Eduardo teria condições psicológicas de se regular diante das suas emoções e não agredir Pedro. A bipolaridade é um transtorno de humor e desorganiza principalmente a FPS Emoção, às vezes conceituada como Regulação Emocional. Isso significa que para Eduardo, algumas emoções podem ser mais difíceis de se processar por causa do adoecimento. Contudo, como as suas FPS não estão desintegradas, como no TMG, Eduardo tem condições de se regular diante de Pedro e não o agredir, seja verbalmente, fisicamente ou patrimonialmente.


Infelizmente, a ampla disseminação de informações de cunho psicológico sem a cautela quanto a fidedignidade do conteúdo, tem levado algumas pessoas a acreditar que precisam tolerar comportamentos violentos de quem tem T.M. A intenção primária desse movimento parece ser empática e formulada por um sentimento de amor e acolhimento, contudo, é preciso observar os efeitos que essa tolerância tem deixado como consequência. Não é fácil se perceber enquanto alguém que sofre violência, principalmente se o autor dessa violência for uma pessoa amada e que muitas vezes nem tem intenção vilanesca, mas que dentro dos seus próprios processos psicológicos, não consegue notar o mal que causa. Logo, é possível entender que nestas relações não há espaço para vilões e mocinhas. Tanto as pessoas que são violentadas quanto as que produzem a violência, podem não estar se percebendo enquanto vítimas e agressores. Embora não haja espaço para demonizar as atitudes de ambas as partes, é preciso fazer uma análise crítica, ética e compreensiva que permita a responsabilização dos autores das ações em questão, assim como as obrigações devidas à cada parte na busca por mudança de comportamento quando estes se apresentarem disfuncionais.


Dessa forma, fica nítido que uma pessoa que tem bipolaridade, ou qualquer outro TMP, não pode agredir fisicamente, emocionalmente, patrimonialmente (quebrar, depredar bens) afirmando estar tendo um “surto” e esperar ser absolvido através desse argumento. Como adultos, é preciso se responsabilizar por tudo que se coloca no mundo, mesmo que alguém esteja enfrentando um T.M, ainda assim ela é responsável por tudo que se faz e diz perante a lei, a ética, a moral e às conexões humanas que dispõe. Neste contexto, os limites se apresentam como uma ferramenta reguladora e promotora de saúde nas relações. Os limites protegem. Dão segurança. Não é à toa que quase tudo que conhecemos tem forma, formato, limite. Algo sem forma, vazio, não tem lugar próprio. Perceba que impessoal, desumano, que perigo! Esse elo precisa ter forma, formato, limite. É preciso se responsabilizar pelo que se produz nele e é muito importante para a manutenção da sua saúde e da saúde das suas relações que você se compreenda como alguém digna de respeito, que merece ser ouvida, assistida, até tolerada quando necessário. É uma via de mão dupla. Compreensão e empatia devem ser estendidas para quem tem Transtorno Mental, mas também devem ser estendidas para todo ser humano.


Como psicólogo, só é possível produzir efeito terapêutico quando aquela temática não agride o profissional, quando é possível dar conta dela dentro do viés de saúde, respeitando as questões pessoais, o espaço emocional e a saúde integral do terapeuta. E se esse profissional não puder dar conta desse paciente, cuidadosamente irá ajudá-lo a encontrar um outro colega que possa dar conta da sua demanda. Tente pensar nessa mesma lógica sendo aplicada na sua relação, substituindo os personagens de acordo com sua história. Como essa história se seguiria? Veja como é contraproducente você fazer tudo por essa pessoa, permitir tudo em “prol da saúde dela”, enquanto você se maltrata. É possível fazer saúde em um lugar mais confortável e harmonioso. Saúde para ambos. Não é “Saúde” quando uma das partes está sendo desrespeitada, tendo seus limites violados, mesmo que seja com uma boa intenção, não funciona! Isso é uma verdade tão significativa que diversos Códigos de Ética das profissões de saúde se resguardam dentro de uma cláusula que diz que se a vida, integridade emocional e/ou física do profissional estiver em risco, não é indicado realizar o atendimento, como pontuado anteriormente. Por que algo assim está presente nas diretrizes éticas de tantas profissões?


Por fim, esse recorte do posicionamento de tantas ocupações da Saúde nos deixa um alerta: Você NÃO precisa dar conta de todas as demandas do outro. O que você dá conta? O quanto consegue ser respeitado nesse relacionamento? O quanto se sente visto nesta amizade? Atendido? O quanto você consegue respirar? Você vive em constante tensão pensando nas palavras certas para dizer e não gerar uma crise no Outro? No que pode fazer para não piorar a situação dele? Cautelosamente, é fundamental compreender que existe uma dificuldade latente em fazer essa análise na própria vida, trata-se de uma temática sensível e que muitas vezes permanece oculta da nossa consciência, principalmente por ser gerador de incômodos, questionamentos e angústias. Contudo, esse desconforto é importante nesse momento. É quando estamos desconfortáveis que notamos que algo pode estar fora do lugar. Permita que estas indagações te mobilizem a repensar cuidadosamente como estão as tuas vinculações. Se for necessário, não deixe de contar com ajuda para identificar esses elementos. Quando estamos em sofrimento, é muito mais difícil conseguir pensar em possibilidades interventivas que façam sentido e que nos deem uma luz para um caminho diferente, porém, é perceptível no referencial técnico-científico e até no Humano, que há sim possibilidades, existem sim inúmeros recursos para se relacionar de forma saudável e eles não estão distantes. Se você foi capaz de criar um espaço de acolhimento através do amor que sente por essas pessoas, imagine o que pode ser produzido para vocês quando se abrirem para esse cuidado maduro de amor, empatia e responsabilidade que tem como Norte a nutrição de uniões que gerem desenvolvimento e não Violência!


Esse é um tema polêmico e creio que não foi uma leitura tão fácil, mas precisamos validar o sofrimento que acontece dentro dessas relações, para todos os envolvidos. Posso te ajudar a manejar melhor essas relações, se você acreditar que precisa



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Psicólogo Lucas Soares

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