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Como minha história influencia minha prática clínica: entenda porque escolhi Luto e Trauma como especializações

  • Foto do escritor: Lucas Soares
    Lucas Soares
  • 7 de ago. de 2024
  • 4 min de leitura


Psicólogo Lucas com as mãos levantadas em direção ao céu

Quando nos debruçamos para pensar o que constitui uma pessoa, com certeza iremos encontrar uma série de vetores que se inter-influenciaram para dar origem a formação única que é o sujeito. Eu nasci em um lar cristão protestante e vivi boa parte da minha vida inserido nesta lógica. Desde muito cedo percebi que algo em mim não era bem aceito pela comunidade que eu fazia parte e me esforcei grandemente para ser o melhor cristão, o melhor filho, o melhor aluno, tudo para desviar a atenção dos meus traços feminilizados. Os preconceitos que se proliferavam no meu ambiente, geraram inúmeras violências físicas e psicológicas em mim durante toda infância e adolescência, contudo, eu tinha muita dificuldade de perceber que aquelas eram violências e confesso que ainda hoje, em processo de terapia, muitas memórias me retornam a respeito dos males que sofri naquela época.

Hoje, como psicólogo com prática clínica voltada para a área de Violências e Traumas, sinto que posso me aproximar dos meus pacientes com um olhar acolhedor, longânime e empático a partir das marcas deixadas em mim pela violência, que quando tratadas no meu processo particular, tem se transformado em uma grande ferramenta para amplificar minha experiência de vida. Jamais defenderei ou justificarei as violências ocorridas, o sofrimento é inerente à vida e a única coisa que pode transformar toda essa dor em mim em algo que pudesse me fazer amar viver, foi o cuidado em saúde mental.


Mesmo diante de tanta violência, eu não conseguia reconhecer que precisava de ajuda e o constante sofrimento era aplacado pelos pequenos alívios que a minha prática religiosa conseguia me trazer. Realmente meu envolvimento íntimo particular com a divindade que fazia sentido para mim na época, foi uma das razões de eu ter conseguido chegar até aqui. Porém, sustentar o sofrimento da violência, não é uma prática suportável.


No final de 2012, de forma inesperada, minha mãe faleceu. Eu tinha 15 anos de idade e ela 44. Numa manhã de terça-feira, enquanto eu me arrumava para sair, ela me falou que estava sentindo uma dor forte na barriga, nada incomum para ela que tinha alguns problemas de saúde que eram considerados leves. Nem cheguei a me despedir, mas aquela foi a última vez que a vi. Sua morte estremeceu todas as minhas estruturas e destruiu toda a organização social do nosso ciclo. Ela era pastora evangélica, juntamente ao meu pai, e a sua perda abalou toda a congregação.


Infelizmente, a falta de conhecimento das pessoas na época, foi facilitadora de mais violências e acabamos perdendo tudo e mudamos para o outro lado do país, onde encontrei novas violências, coisas que nunca tinha vivido. Agora, golpes desferidos em alguém que já estava destruído. Foi só em 2016, quando consegui me mudar para longe de todas as pessoas que conhecia que pude começar a reconstruir minha vida. Agora como pessoa LGBT, como pessoa enlutada, estudante de Psicologia, sem família, sem amigos, sem nada, quase sem história.


O processo de reconstrução veio através dos estudos sobre Luto e Violência, além de todo suporte que pude obter através de amigos, agora, minha nova família e bastante tempo de psicoterapia. Mal consigo expressar o que essas experiências fizeram comigo e escrever sobre isso hoje e perceber que não enxergo só o terror, mas que minha vida foi transformada através do conhecimento, do amor e do acolhimento, é surpreendente. Não posso negar que as marcas deixadas pelas violências ressoam de forma estrondosa enquanto faço esforços exuberantes para viver, mas não consigo tecer uma névoa sombria sobre minha experiência de vida apagando toda evolução que me foi possível neste caminho.


É estranho olhar e perceber que não era necessário viver tanta violência, tanta dor, tanto sofrimento, ao mesmo tempo que essas coisas, quando cuidadas, se transformaram na minha história e dela eu tenho orgulho. Consigo ter orgulho de mim, aos poucos, consigo aprender a me amar, a amar os outros e me deixar ser amado. Sigo firme caminhando para um lugar onde as marcas do passado já não ditem o meu futuro, mas sejam apenas um arsenal próprio de autoconfiança baseada nas experiências, na força e na resiliência de se sobreviver à violências e à perdas.


É por causa desse cuidado em saúde, através da Psicologia, que hoje eu me coloco no espaço clínico para contribuir com o processo de outras pessoas. Considerando todo sofrimento que pude expor aqui, mesmo sendo ele uma pequena fração da história, construo um entendimento complexo sobre o adoecimento psíquico e sobre as estratégias terapêuticas para situações de violência e luto, assim como outras temáticas da vida.


Com isso, me propus a buscar uma psicologia que não fosse simplista, biomédica, positivista, mas que se propusesse a observar e intervir na vida humana em sua complexidade e assim, me aproximei da Psicologia Sócio-Histórica, uma abordagem que é focada no desenvolvimento e que tem por base grandes nomes da ciência do século XX, assim como um teor crítico revolucionário que não pude encontrar em nenhuma outra abordagem. Com certeza, essa é a Psicologia do futuro, na minha humilde opinião (risos).

Independente das bases teóricas que me enchem os olhos hoje em dia, me percebo enquanto alguém que consegue levar esse trabalho muito a sério, pois foi ele que salvou minha vida em certo momento.


Foi ter acesso a uma profissional de qualidade ética, humana e técnico-científica que me fez construir uma escada através do meu sofrimento e agora me colocar nesse espaço para ajudar outros a fazer o mesmo tendo a sensibilidade que só o sofrimento tratado em saúde pode produzir. Tenho certeza que não teremos respostas prontas e muito menos que vamos conseguir nunca mais sofrer, mas essa não é mais minha preocupação. Considerando toda essa história, toda dor, todo sofrimento, tenho guardado no meu coração que o que a Consciência Humana pode construir através do seu desenvolvimento, do amor, do acolhimento e da saúde, é inestimável, inabalável e indestrutível, assim como qualquer um que se aposse dela. Essa história agora é minha e não das minhas cicatrizes! Uffa, imagino que ter contato com algo denso assim também pode fazer você refletir sobre o que está vivendo. Se você entende que precisa ou que gostaria de ajuda para lidar melhor com atravessamentos como esses em sua vida, faça contato! Será um prazer poder estar com você



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Psicólogo Lucas Soares

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